O que deveria ser uma “janela” de esperança para os artistas que representam o forró se transformou em uma piada no meio artístico. A Lei “Luiz Gonzaga” (Lei 3083/2023), de autoria do cantor Armandinho, integrante da banda Fulô do Mandacaru, de Caruaru (PE), não vingou devido a falhas em sua formulação. O projeto, apresentado em Brasília pelo deputado Fernando Rodolfo do Partido PL, pretendia garantir que 80% dos investimentos nas festividades juninas do Nordeste fossem destinados aos artistas de forró autêntico. No entanto, na prática, a realidade é bem diferente.
A lei permite que qualquer artista que se apresente com uma sanfona no palco seja considerado um artista de forró, mesmo que seu estilo não tenha representatividade na linha gonzagueana. Bandas e artistas populares, apesar de não serem autênticos forrozeiros, se beneficiam da lei ao incluírem algumas músicas de forró em seus repertórios ou simplesmente ao terem um sanfoneiro no palco. Essa brecha possibilita que uma ampla gama de músicos comerciais ocupe os espaços destinados ao forró autêntico, frustrando as expectativas dos verdadeiros forrozeiros.
Curiosamente, o ex-vocalista de uma famosa banda de forró afirmou recentemente que parte de seu show incluiria canções de forró autêntico, mas apresentadas em ritmos modernos como vaneirão e piseiro. Essa flexibilidade na definição do que é considerado forró pela lei permite que qualquer música nordestina, com ou sem sanfona, seja classificada como forró, beneficiando grandes artistas comerciais.
A ausência de critérios rigorosos para definir o repertório dos artistas que devem compor os 80% estipulados pela lei é uma grande falha. Enquanto a lei poderia teoricamente reduzir a presença de outros estilos musicais, como sertanejo, axé, padres e DJs nas festividades juninas, ela pouco faz para apoiar os forrozeiros do “pé de serra”, que são os verdadeiros guardiões da tradição do forró.
A música comercial, facilmente reconhecida como forró pelo público geral, continua dominando as festividades, enquanto os autênticos forrozeiros ficam à margem. Seria mais sensato e simples, sem a necessidade de legislação, que as contratações artísticas fossem guiadas pelo bom senso. Os artistas contratados deveriam incluir em seus repertórios ritmos tradicionais do período junino, como baião, xote e xaxado. Prefeitos e organizadores de eventos poderiam, por iniciativa própria, garantir que um percentual mínimo de forrozeiros autênticos estivesse presente nos palcos principais das celebrações de São João.
Além disso, é fundamental que o poder público assuma a responsabilidade de fomentar as raízes culturais do forró. Isso envolve não apenas a promoção de artistas tradicionais, mas também a criação de políticas públicas que incentivem a educação e a preservação das tradições musicais nordestinas. O governo deveria apoiar festivais, oficinas e programas educativos que ensinem as novas gerações sobre o forró autêntico, garantindo que essa rica herança cultural não seja diluída ou perdida.
Investir na raiz cultural é investir na identidade e no orgulho de um povo. O poder público tem a responsabilidade de proteger e promover as manifestações culturais que representam a história e a alma de uma região. Isso inclui não apenas a alocação de recursos, mas também a implementação de programas de incentivo e valorização dos verdadeiros forrozeiros. Políticas de fomento cultural deveriam priorizar os artistas que mantêm viva a tradição do forró, ao invés de favorecer aqueles que apenas exploram o gênero de maneira superficial para alcançar sucesso comercial.
Em resumo, a Lei Luiz Gonzaga, embora bem-intencionada, falha em preservar e promover verdadeiramente o forró tradicional. Mal redigida desde o início, permite que uma ampla gama de músicas e artistas comerciais ocupem o espaço destinado aos verdadeiros forrozeiros, beneficiando apenas os grandes nomes da indústria musical. Na prática, a lei fortalece ainda mais a música plastificada e a presença de bandas e artistas que nada fizeram pelo forró e pela cultura de um povo, resultando na perda da essência e da identidade das festividades juninas.
Matéria: Marcelo Rossiter/Fred Alves.